Um caminho alternativo para o descrédito no marketing

Dennis Giacometti, consultor associado da adentro, consultoria em gestão

*Dennis Giacometti

A maioria das pessoas que desconhecem a área de marketing justifica ações de muito mau gosto no campo político, nas relações interpessoais, nas redes sociais e até mesmo de empresas mal resolvidas nessa área como sendo oriundas do engendramento de ideias “brilhantes” por parte dos profissionais que atuam no setor.

O termo marketing está se tornando quase um palavrão; sinônimo de “sacadas” mal pensadas com o intuito de pegar os incautos. Na verdade, o marketing está, em muitos segmentos, se criminalizando…

Campanhas políticas como as de Trump, Theresa May, Emmanuel Macron e outras, são fundamentadas sobre o superficial, o rasteiro, violando a moral e a ética em várias frentes.

Mas, esses são marqueteiros! Conceitualmente, em essência, a diferença entre campos distintos de atuação do marketing é irrelevante; da perspectiva do método, está cada vez mais empírico, superficial.

Em que medida nós, profissionais da área, somos corresponsáveis por esse fenômeno?

Mal sabem os leigos que nós, profissionais de marketing, estamos envolvidos em situação ainda pior que a esboçada acima. No universo das empresas brasileiras, principalmente, o profissional da área é percebido pelo conjunto da organização como quem “gasta” o dinheiro majoritariamente em publicidade, promoções, eventos etc.

Na prática, o que em geral ocorre em oito de cada dez empresas, é que o proprietário ou o CEO, em conjunto com o comercial, define um caminho imaginário e pede para o marketing concretizá-lo. A situação é ainda pior nos casos em que o marketing está sob a responsabilidade da área comercial, que o coloca na posição de “tarefeiro”; simples apêndice, que existe apenas para colocar em pé os esforços de comunicação, trade marketing e merchandising. E como neste país a maioria se diz entendida em política, futebol, medicina, marketing e publicidade, todos se acham no direito de dar palpites, criar caminhos…

“Criam” (na verdade sacam das profundezas do inconsciente) ações de marketing sem sequer se dar ao trabalho de conhecer o que de fato pensam seus  clientes e principalmente seus prospects.

Muitos ainda, beirando a arrogância, acham-se melhores do que  marqueteiros, publicitários, assessores de imprensa, produtores de filmes e outros profissionais, a ponto de participarem do processo criativo. Investem seu precioso tempo criando textos, imagens, ou seja, intervindo nas práticas destes profissionais. Triste assim…

Cansamos de ver famílias inteiras de proprietários de empresas, assim como presidentes, diretores comerciais e financeiros criando esses esforços de marketing e publicitários, demonstrando total segurança, conforto mesmo,  em navegar nessas águas.

E são eles que realizam o pensamento estratégico também? Não, a maioria não é especialista, não tem a mínima ideia do significado desta prática. Os poucos profissionais de marketing que o realizam, muitas vezes acabam por focar apenas no conteúdo estratégico da comunicação. Sem dúvida nenhuma, o pensamento estratégico, essencial ao marketing, é outra prática que há tempos está se esvaindo.

A constatação, depois de todos estes anos com essa miopia, é simples: a maioria esmagadora das atividades no campo do marketing não consegue sair do lugar comum, da mesmice. Logicamente são superficiais, refletem desejos inconscientes construídos na cabeça destes “especialistas” de plantão, a partir de referências, ideias e representações vivenciadas aqui ou no exterior. Portanto, cópias mal feitas de “cases de sucesso”, como se fosse um inconsciente coletivo de baboseiras do marketing do além!

Muitos estudos e pesquisas de mercado comprovam essas banalidades, ao demonstrarem a total ausência de resultados, quer seja para a marca, quer seja em crescimento das vendas, por exemplo.

Ao gerar péssimos resultados, esse conjunto de ideias supostamente “brilhantes”, produzido por esses “novos especialistas”, acaba por criar um círculo vicioso no qual cada vez se investe menos nas principais linhas de força que compõem o universo do marketing.

Com raríssimas exceções, campanhas nos segmentos automobilístico, bebidas, alimentos, cosméticos, varejo e serviços só fazem misturar-se entre si, conseguindo quase nada em termos de construção de marcas de prestígio, diferenciadas, únicas!

Se trocarmos a marca de um anunciante por outra, no mesmo segmento, óbvio, nos pontos de venda, nas campanhas etc. – varejo de  eletroeletrônicos, por exemplo – não conseguimos discernir alhos de bugalhos, salvo algumas exceções do tipo Fast Shop. Você está em uma loja do Ponto Frio, no Magazine Luiza, ou no Ricardo Eletro?! A maioria não saberá dizer. Não importa, é que nem massa de tomate; tudo igual.

Surge então, um novo braço do marketing: o de “São Pedro” – vamos torcer para ele entrar na minha loja por engano… ou para apanhar, sem de fato desejar, aquela  lata de massa de tomate; é uma loteria!

Já estudei este fenômeno em várias áreas – no varejo têxtil, por exemplo. E, acredite, a mesmice é verdadeira.

Portanto, o descrédito no marketing progride em larga escala!

E nós com isso?

Profissionais do ramo, onde erramos ?

Interessa ainda retomar o leito natural desta nossa profissão?

A meu ver, esta batalha está perdida!

Por ora consigo vislumbrar um único caminho alternativo, que consiste no Trabalho do Conhecimento. Podemos até seguir nos apropriando do conceito e universalizá-lo: Working Knowledge.

Com que propósito?

Para construir o Pensamento Estratégico.

Com que propósito?

Para fortalecer vendas e o prestígio da marca, dentro e fora da organização.

Com que propósito?

Instigar, inspirar, promover a cultura organizacional no sentido da inovação, da diferenciação, visando efetivamente agregar valor ao conjunto das atividades da companhia.

Percebam a oportunidade: não  seria este um caminho possível para sairmos desta mesmice?

Atualmente, a única saída para a maioria das empresas tem sido baixar os preços, reduzindo a qualidade dos produtos ou serviços, sacrificando o atendimento, diminuindo substancialmente os investimentos em publicidade, notadamente no offline (enquanto as grandes empresas digitais, ironicamente, fazem o contrário; investem muito no offline visando tentar sair do prejuízo).

Seria esta então a missão desta nova área, Working Knowledge!

“Entendi , seria uma BI?”, perguntariam alguns. As unidades de Business Intelligence, quando funcionam, são muito restritas à gerência de produto ou serviços e ao seu universo específico. Na verdade estamos falando do Chief of Working Knowledge – CWK, profissional versado em Filosofia, Sociologia, Economia e Gestão, com ampla visão para captar tendências nas suas mais variadas amplitudes psicossociais. E o mais importante: um profissional que  realmente saiba como provocar a organização, como inspirá-la a germinar diferenciais efetivamente únicos em termos de produtos e serviços.

É possível contar nos dedos as empresas que possuem esta área, ou profissional, as quais realmente investem na busca pela inovação, na  diferenciação e principalmente, na afirmação ferrenha de seu propósito, da sua razão para servir a sociedade.

Se não for este novo personagem a trilhar um novo caminho, a quem caberia esse olhar significativo para o futuro? Ao presidente? Não tem tempo para isso…muito menos vocação. A um “novo” marketing? Impossível. Nossas escolas jogaram as chaves deste conhecimento no rio.

Mesmo assim, diante de uma sociedade que se transforma em segundos, líquida, instável, consumista não só de bens e serviços mas de falsos valores, e ainda extremamente individualista, como tentar compreendê-la apenas com as velhas ferramentas do marketing?

Melhor deixar este rio fazer as suas próprias margens desaguando em paz no Oceano e nos preocuparmos com o novo: o profissional de Working Knowledge.

Talvez ainda começarmos a nos inspirar mais em C. Jung, Lipovetsky, Bauman, Fisher, Samuelson e tantos outros, em busca da complementação das teorias de Drucker, Porter, Godin, Kotler…

Seria um começo?

 

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* Dennis Giacometti é consultor associado da adentro